Galo x Flamengo, a final que merecíamos ter visto em dezembro
Supercopa, aquela que "não vale nada", reforça como passou do tempo de deixarmos para lá essa história de pontos corridos
No domingo matei a saudade que eu não tinha de um hábito que me acompanhou por anos: assistir a dois jogos simultâneos. No colo, o computador rodava o outrora clássico Paratiba, pelo Campeonato Paranaense; na TV, a final da Supercopa, entre Galo e Flamengo.
Antes, dividir a atenção entre duas partidas era necessidade profissional. E eu sempre jurava que compreendia plenamente as batalhas táticas, técnicas e emocionais dos dois jogos, cada um comprimido em uma tela. Uma tolice que só mesmo o ego é capaz de justificar.
Agora, era para manter a fidelidade ao meu time sem perder o grande jogo da temporada no futebol brasileiro. Não (apenas) dessa. Mas da temporada passada.
Flamengo e Atlético-MG fizeram, na festiva Supercopa, a final que nós merecíamos ter visto em dezembro do ano passado, valendo a taça de campeão brasileiro. Um jogo no Maracanã, outro no Mineirão. Dois domingos em que até quem não é do futebol pararia na frente da TV.
Vejam só o que o jogo de ontem, que “não valia nada”, nos deu:
Quatro gols;
Uma virada;
Imagens da transmissão que nos levavam para dentro do campo, como em um videogame;
Hulk decisivo com bola rolando e bola parada;
Gabigol decisivo com bola rolando e (inexplicavelmente) não comparecendo para a segunda rodada de pênaltis;
Hugo Souza falhando feio no primeiro gol e quase se consagrando na disputa por pênaltis;
Eric Faria fritando Hugo Souza na pergunta para Everton Ribeiro em rede nacional;
Erro da arbitragem;
Estádio lotado;
Erros de Paulo Sousa na escalação e reposição, mostrando que técnicos portugueses também falham;
E, claro, uma disputa de 24 pênaltis, da perfeição absoluta nas cobranças iniciais a uma série de erros bizarros à medida que as alternadas se sucediam.
Mais ou menos na mesma época em que eu acreditava ser possível esmiuçar dois jogos assistidos ao mesmo tempo, eu também defendia ardorosamente a fórmula por pontos corridos como a única possível para o Brasileirão. A argumentação inflexível se apoiava na justiça do todos contra todos e na extensão do calendário até o fim do ano.
A justiça é uma falácia. Há fatores de desequilíbrio que acabam ficando mais acentuados nos pontos corridos:
O quanto de dinheiro um clube tem para montar seu elenco;
A escalação de reservas porque há partidas decisivas dos mata-matas na mesma semana;
A tabela colocar no “jogo do título” um time que já “está de férias”, pois não tem mais chance de classificação para a Libertadores nem risco de rebaixamento.
O calendário, contornável. Você pode trazer os estaduais para o final do ano ou você pode, simplesmente, dar aos clubes mais tempo para descansar seus jogadores e se preparar para o próximo ano.
O futebol brasileiro discute vivamente a criação de uma liga. Que o profissionalismo esperado seja aplicado, também, para construir um campeonato decente, atraente e rentável em torno da fórmula de disputa que melhor combina com nossa cultura esportiva: o mata-mata, a final.
Se a paixão pelo futebol (ou pelo nosso time) nos aproxima dos europeus, é para a América que deveríamos olhar na hora de construir nosso principal campeonato. A NCAA decide seu campeão no March Madness, um mês de loucura que começa com 16 equipes e avança em duelos eliminatórios até um deles ficar com a taça. O mês e meio final da NFL para um país inteiro.
Da combinação entre o melhor dos dois mundos com o melhor do nosso mundo é que deve sair o formato para o Brasileirão. Sem valer nada, Galo e Flamengo nos deram entretenimento, drama, gols, alto nível técnico, heróis, vilões e a lembrança de como uma final é infinitamente melhor do que se enganar com uma justiça que não existe.