E se o Célio Mata Boi jogasse na Premier League?
Estaríamos discutindo se ele é melhor do que Adriano Imperador
Há um portal que separa o futebol que vemos hoje daquele que conhecemos há 20, 30, 40 anos.
Do lado de cá estão o jogo apoiado, o box to box, a torcida única, as arenas de gramado sintético e assento rebatível, os jogos pulverizados em 50 streamings diferentes, os influencers e streamers, o centroavante que recompõe a defesa ao invés de fazer gol, o Brasileirão de pontos corridos, o VAR interminável como uma música do Engenheiros do Hawaii, o escanteio curto e o lateral direto na área.
Do lado de lá, o clássico com duas torcidas, as arquibancadas de cimento, o saco de mijo nas costas, o camisa 9 que faz gol, o zagueiro-zagueiro que dá bico, o volante quebrador de bola e canela, o jogo no radinho, os repórteres de campo dentro do campo, o mata-mata, as chuteiras pretas, o trio de arbitragem barrigudo e o bandeirão chacoalhando na ponta do bambu.
Há momentos em que dá pau na Matrix, a tela fica azul e alguém do lado de cá aparece para nos lembrar como o futebol é foda. Dessa vez o nosso elo perdido, a nossa Lucy, é Célio Mata Boi.
Centroavante, 31 anos, Célio Mata Boi foi anunciado na terça-feira de Carnaval como novo reforço do Tupi de Crissiumal, time da segunda divisão do Rio Grande do Sul.
Será a 14ª camisa da carreira de Mata Boi. As mais pesadas foram as de São Raimundo-AM, 4 de Julho-PI e Sampaio Corrêa.
Mauricélio Holanda da Silva virou Célio porque é mais curto e Mata Boi porque era açougueiro antes de virar jogador. É uma figura típica do futebol que não existe mais.
Mas e se fosse o contrário? E se Célio Mata Boi fosse cria do futebol globalizado das chuteiras multicoloridas e do cabelo descolorido? É sobre a realidade alternativa deste craque alternativo que discorro a seguir. Senta que lá vem história…
Era um vez… Célio Mata Boi
Célio Mata Boi já estava vendido para o Shakhtar Donetsk quando foi disputar a Copinha por um time de empresário. Calça pescador no meio da canela, tênis Nike sem meias, chamativos fones brancos tocando funk no ouvido, iPhone na mão, cabelos descoloridos encobertos pelo boné de aba larga enterrado na cabeça… Era mais um típico boleiro de 18 anos.
Não tinha paciência para o falatório do técnico. Linhas altas, jogo propositivo, saber sofrer… Tudo era chato demais.
Piorava quando o treinador vinha com o tablete para mostrar como ele precisava recompor, ser o primeiro a dar o combate. “Marcar a saída de bola do adversário é tão importante quanto fazer gol”, dizia para o centroavante.
O tablete pelo menos lembrava o videogame portátil em que Célio ficava brincando no açougue do seu tio, quando era mais novo. Célio mal pegava na faca, quanto mais fatiava um boi. Mas foi o empresário amigo do tio que o levou para o primeiro teste no futebol. E também dele a ideia do apelido.
- Agora você vai ser Célio Mata Boi!
- Mas eu nunca matei um boi.
- Não importa. Te descobri no açougue e Mata Boi impõe respeito para um centroavante.
- Beleza…
Célio Mata Boi foi bem na Copinha. Marcou um gol na estreia. Fez coraçãozinho com as mãos para a namorada e foi zoado pelo Tiago Leifert no quadro “Copa Coração Paulo” do Globo Esporte.
No segundo jogo, um domingo, marcou três gols. Pediu música no Fantástico. Um funk gospel tão obscuro, composto por um amigo, que o próprio Tadeu Schmidt precisou pedir para ele enviar o áudio por WhatsApp, já com a escalada do programa no ar.
Os quatro gols não foram suficientes e o time do Mata Boi foi eliminado ainda na primeira fase, pelo critério de menor número de escanteios cobrados com o pé direito fora de casa. Todo mundo estranhou, mas era uma sugestão do site de apostas esportivas que patrocinava a Copinha, então ok.
Mata Boi não estava nem aí. Ele só queria saber das portas que seriam abertas na Europa. O clube tinha muitos brasileiros, então não foi difícil se adaptar e começar a fazer gol. Mata Boi marcou 18 gols na liga nacional, mas nenhum tão importante como o feito contra o Manchester United, em Old Trafford, pela Champions League.
Um arrancada que começou com desarme em Cristiano Ronaldo e terminou com um leve biquinho para encobrir De Gea. Ryan Giggs aplaudiu, Sir Alex Ferguson sorriu levemente, Cristiano Ronaldo despenteou o cabelo e Eric Cantona acertou uma voadora em um torcedor que assistia ao jogo ao lado dele, num pub.
Mas quem riu por último mesmo foi o Tottenham, que levou Célio Mata Boi. E ali, na cosmopolita Londres, as polêmicas começaram.
Em Londres, a vida nunca mais foi a mesma
O apelido era um problema. A comunidade vegana do Reino Unido não admitia o apelido Mata Boi. Ou Kill Bull, como estampou o The Sun em uma capa com uma montagem horrível de Célio Mata Boi vestido de Uma Thurman. (A capa, por sinal, fez Mata Boi ser acusado de apropriação cultural)
Queriam que ele passasse a se chamar Célio Planta Alfaces Orgânicas. Ou Célio Come Brócolis, para incentivar o consumo de vegetais entre os jovens torcedores ingleses.
Todos os seus passos eram seguidos pelos tabloides. O carrão comprado com o primeiro salário semanal, as WAGs que mudavam diariamente como a cotação da libra esterlina, as horas de folga gastas jogando um CS com os parças porque ninguém é de ferro.
“Why always me?”, estampava a camiseta vestida pelo atacante depois de um inédito pool investigativo do The Guardian e da BBC ter descoberto que ele nunca havia sido açougueiro na vida.
Abandonar o Mata Boi foi um livramento. Agora, ele atendia por Celio Holland. Não era mais um centroavante trombador. Havia inaugurado uma nova função, a de camisa 9 box to box.
Ele voltava na própria área para marcar. No caminho até lá, acompanhava o lateral adversário e cortava na diagonal, lindo de ver no mapa de calor.
Dava passes laterais de 2 metros com uma precisão não vista desde os tempos do Xavi.
Servia aos colegas desmarcados com assistências açucaradas.
Desarmava sem falta.
Não tomava cartão.
Respeitava as marcações da arbitragem.
Ousadia máxima, às vezes pisava na área adversária para finalizar. Mesmo um 9 box to box tem direito a uma desobediência tática.
Era ano de Copa do Mundo e ele nunca havia disputado um jogo de seleção. Sabe como é, duelo entre países é essa coisa nacionalista démodé que só estimula o clima terrível que toma conta do mundo desde 2018.
Célio queria mesmo era jogar pelo seu clube. Mas Brasil e Inglaterra queriam era ganhar a Copa. Nós queríamos Célio Mata Boi, eles queriam Celio Holland.
Depois de muita resistência, Tite admitiu no Bem, Amigos! que pretendia convocá-lo para os últimos jogos das Eliminatórias. Admirava a postura tática, embora visse algumas carências. “Trabalhou pouco com treinador brasileiro”, constatava com pesar.
Gareth Southgate via um salto técnico em Celio depois de o atacante aderir ao veganismo que tanto o perseguiu. Ele tinha o estilo que o English Team precisava - não só dentro de campo, mas fora, onde era visto com frequência usando gravatas listradas, coletes e suspensórios.
Celio Holland o caralho! Meu nome é Mata Boi, porra!
Foi quando aconteceu a grande tragédia. Era Carnaval e o estagiário de um canal de esportes não sabia mais como melhorar o engajamento no Twitter.
Fez, então, a única coisa a ser feita: correu para o Google. Pesquisou “atacantes brasileiros do início dos anos 2000” - só assim para ele saber algo sobre jogadores da sua primeira infância.
O Google, claro, trouxe a resposta. Pronto! Ele tinha a enquete perfeita para engajar muito no Twitter. Quem foi melhor: Célio Mata Boi ou Adriano Imperador?
Assim que o estag postou a enquete, o portal se fechou. A tela azul sumiu. Célio acordou na poltrona 35 do ônibus que o levava a Crissiumal, para se apresentar ao Tupi para jogar a Segundona do Rio Grande do Sul.
Ele estava aliviado. Não era mais Celio Holland. Era o bom e velho Célio Mata Boi. A boca salivava por um churrasco mal passado e gorduroso, então ele sacou o celular para assistir ao vídeo com seus melhores momentos e nunca mais esquecer quem sempre foi.