Como a invasão da Rússia à Ucrânia afeta o futebol
Destino de jogadores brasileiros, final da Liga dos Campeões, vagas na Copa... Diante da magnitude do ataque russo ao território ucraniano, o futebol olha para as possíveis consequências no seu mundo
A Rússia invadiu a Ucrânia e colocou o mundo diante do risco de um conflito de proporção mundial como não ocorria desde os momentos mais tensos da Guerra Fria. Obviamente, não há nada mais grave do que as vidas perdidas e afetadas pelo movimento ordenado por Vladimir Putin. Puxando a sardinha para a minha brasa, você pode acompanhar esses movimentos e suas consequências tanto no Antagonista como na Crusoé. A cobertura está incansável e imperdível.
Neste minifúndio virtual chamado Segundona, contudo, o tema é futebol e é sobre os efeitos da invasão (e de uma eventual guerra) no jogo que irei tratar. Alguns já estão em curso; outros, diretamente atrelados à extensão da ação russa e da reação internacional.
Protestos de jogadores dentro de campo
Estes começaram antes mesmo de a invasão se concretizar. O atacante ucraniano Roman Yaremchuk fez gol no 2 a 2 do Benfica com o Ajax, pela Liga dos Campeões, na quarta-feira, e na comemoração exibiu uma camiseta com o Tryzub, tridente do brasão de armas da Ucrânia.
É provável que ocorram outros protestos ao longo do fim de semana, com rodada completa nas ligas europeias. Como também é previsível que as ligas, a Uefa e a Fifa imponham restrições duras a manifestações políticas e punições a quem desrespeitá-las.
É aquele momento em que o futebol tenta reforçar sua redoma de vidro. E, em geral, falha miseravelmente.
Suspensão de jogos e campeonatos
O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky decretou lei marcial no país nas primeiras horas do dia. Com isso, foram suspensas todas as competições esportivas, incluindo a liga local de futebol. Neste fim de semana já não tem rodada.
Não há, neste momento, reflexo nas competições europeias. Shakhtar Donetsk e Dínamo de Kiev foram eliminados na fase de grupos da Liga dos Campeões, com o quarto lugar em suas respectivas chaves. Assim, nem mesmo conseguiram entrar no mata-mata da Liga Europa.
A extensão da suspensão de jogos e campeonatos será, óbvio, proporcional à extensão dos conflitos.
Final da Liga dos Campeões
O jogo mais importante do calendário europeu ameaçado pela invasão da Ucrânia está marcado para 28 de maio, em São Petersburgo, na Rússia. É a final da Liga dos Campeões. A reação internacional ditará o quanto o jogo será afetado.
Suspensão da Rússia de competições oficiais, sanções econômicas que afetem os patrocinadores ou mesmo a forma como os russos responderão a qualquer movimento do Ocidente são fatores que podem, entre outros efeitos mais severos, mexer com o jogo de clube mais aguardado do calendário mundial.
A Uefa está acompanhando os desdobramento e, nos bastidores, já se fala de mudança de sede.
(Atualização das 10 horas de 25 de fevereiro: a Uefa moveu a final da Liga dos Campeões de São Petersburgo para Paris)
Jogadores brasileiros que atuam na Ucrânia
Logo pela manhã de hoje circulou com força um vídeo de jogadores brasileiros que atuam na Ucrânia, pedindo ajuda do governo brasileiro para deixar o país. O grupo estava em um hotel de Kiev.
Ao todo, 30 brasileiros disputam a liga ucraniana, o maior contingente estrangeiro no país. Só no Shakhtar são 13, entre eles Pedrinho (ex-Corinthians), Alan Patrick (ex-Santos e Flamengo), Dodô (ex-Coritiba) e David Neres (ex-São Paulo). Todos estavam no vídeo, mais o atacante Vitinho, ex-Athletico e atualmente no Dínamo de Kiev.
Donetsk fica na região de Donbas, apontada por especialistas em geopolítica como uma área que Putin pretende anexar ao território russo. Aliás, no discurso do início da semana o presidente russo disse reconhecer a independência de Donbas. Significa…
Os ataques russos a Donbas em 2014 tiveram como um dos alvos o estádio de Shakhtar. Desde então, o clube joga em Kiev.
A prioridade dos jogadores é deixar o país com suas famílias em segurança. Quando pararem para pensar na sequência da carreira, é provável que muitos não queiram voltar para a Ucrânia. Movimento que pode levá-los a outros países da Europa ou retornar ao futebol brasileiro.
Copa do Mundo do Catar
Rússia e Ucrânia seguem na disputa por uma vaga na Copa do Mundo do Catar, no fim deste ano. Os playoffs estão previstos para acontecer em um mês e ainda não há menção a qualquer mudança.
A Ucrânia enfrentará a Escócia fora de casa na primeira rodada, dia 24 de março. Caso passe, jogará contra Áustria ou País de Gales por uma vaga no Mundial, em local a ser definido.
A Rússia receberia na primeira rodada a Polônia (24/3). Caso passe, jogaria por um lugar no Catar contra Suécia ou Tchéquia, cinco dias depois. Receberia e jogaria por que poloneses, suecos e tchecos já comunicaram a recusa de enfrentar a Rússia. Um pepino para a Uefa descascar.
Hoje, é impossível saber se a vida na Ucrânia terá voltado ao normal antes dos playoffs. Ou mesmo o que será a Ucrânia como país em 30 dias. Há um risco real de não haver uma seleção apta a enfrentar a Escócia - nem mesmo um país chamado Ucrânia.
Sanções esportivas
No caso da Rússia, a dúvida imediata é quanto a como a Fifa irá reagir ao posicionamento de Polônia, Tchéquia e Suécia. No médio prazo, quanto a eventuais sanções esportivas duradouras. O país foi punido pelo Comitê Olímpico Internacional por causa do escândalo de doping. Ainda assim, seus atletas têm disputado Jogos Olímpicos sob a bandeira do comitê olímpico russo - uma punição inócua.
Fifa e Uefa não impuseram qualquer punição à Rússia, que organizou a Copa do Mundo de 2018. Mas há um precedente equiparável ao momento atual.
Em 1992, a Uefa suspendeu a Iugoslávia das suas competições por causa da Guerra dos Balcãs. A punição tirou o forte time iugoslavo da Eurocopa daquele ano - base da seleção, o Estrela Vermelha era o então campeão europeu e mundial de clubes. A Dinamarca assumiu a vaga e acabou tornando-se uma das mais inesperadas campeãs da história da Euro.
Sanções financeiras
Joe Biden foi o porta-voz das primeiras sanções econômicas à Rússia. A “maior sanção econômica da história” envolve restrição a comércio com Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido e Japão, também congelamento no financiamento ao desenvolvimento tecnológico russo. Ainda pode vir mais.
Um dos movimentos possíveis é proibir a Rússia de usar o sistema financeiro internacional e bloquear contas de empresas e empresários ligados a Moscou. Boa parte dessas empresas e empresários tem relações sólidas com o futebol.
A Gazprom (empresa de gás da Rússia) é investidora pesada do futebol internacional. A companhia patrocina a Uefa, tem o naming rights do estádio de São Petersburgo (sede da final da Liga dos Campeões) e está no camisa do Schalke 04.
O clube alemão já anunciou que irá remover a marca da Gazprom da sua camisa. Os canais que transmitem a Liga dos Campeões no continente não poderão fazer o mesmo com a publicidade do torneio, pois o contrato é negociado diretamente com a Uefa.
O dinheiro russo também é presente na Premier League. Dono do Chelsea desde 2003, o empresário Roman Abramovich é constantemente acusado de relação com o governo russo, algo que ele nega.
Também é russo o empresário Len Blavatnik, dono da Dazn. O canal de streaming naufragou no Brasil, mas é quem exibe a Liga dos Campeões para o Reino Unido e adquiriu recentemente os direitos de transmissão do Campeonato Italiano. Blavatnik mantém distância estratégica do Kremlin, deixando para interlocutores a relação com o governo russo.
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Como falei lá no início, o mais importante no momento são as vidas que já foram ou podem ser perdidas na invasão e a extensão do conflito. Haverá consequências ainda de alcance imprevisível. Certo é que elas existirão - e o futebol, como tantos outros setores, será afetado.