ESPN Brasil e o saudosismo compreensível, mas injusto
Como uma mudança trivial de nome de um canal desencadeou o melhor e pior que saudades pode provocar nas pessoas
A parte boleira da minha timeline começou a semana tocada pela saída de cena da marca ESPN Brasil. Movimento impulsionado por um post curto, respeitoso e carregado de sentimento do José Trajano, que fundou e dirigiu o canal por mais da metade da sua existência com esse nome.
A mudança em si tem efeito prático nulo. Segue apenas um padrão internacional de nome dos canais, da mesma forma que havia sido feito com o nome dos programas e os cenários. A ESPN de hoje continua com a mesma quantidade de canais que ontem. Cada um destes canais tem hoje a mesma programação que tinha até ontem.
É tão padrão que levou a situações curiosas, como a ESPN 2 virar ESPN 3, enquanto a ESPN virou ESPN 2. Ou haver um Fox Sports 2 sem a existência de um Fox Sports (este, fruto de outro movimento, a compra dos canais Fox, sob marcação cerrada do Cade).
Mas, claro, a aposentadoria do nome fez emergir uma sucessão de lamentos e reclamações. De que ESPN boa mesmo era a de antigamente, de que todo mundo que era bom saiu do canal, de que agora só passa porcaria etc.
O saudosismo é compreensível. Tanto pela característica de profissionais que a fizeram por muito tempo como pela dificuldade por anos de ter eventos ao vivo em grande quantidade, a ESPN Brasil foi construindo a sua história com reportagens de fôlego; a exposição e o debate exaustivo das mazelas do esporte e a conexão constante entre esporte, sociedade e política (e, sim, com um viés muito evidente, o que nunca se fez questão de esconder).
Isso criou uma marca, um estilo que foi perdendo espaço gradativamente após a saída do Trajano, o que já faz uma década. Assim, é natural que o público mais fiel a essa escola não se identifique com a ESPN atual, o que pode ser feito sem ser injusto com o que os canais são hoje e com quem está lá.
O cardápio de eventos da ESPN de hoje é competitivo como não era nem nos tempos de Champions League (por anos, a estrela solitária da programação). Premier League, Italiano, Espanhol, Francês, Libertadores, NFL, NBA, além de outros menos cotados. É suficiente para encher a prateleira de todas as ESPNs e do Star+.
Os programas de debate (que já foram mais dominantes na grade) atendem a uma demanda do público, que, em última análise, é a quem os veículos de comunicação devem atender. Em regra, o torcedor brasileiro gosta do falatório, da discussão em torno do seu time, da resenha - por sinal, nome de um programa de sucesso da ESPN, com boleiros contratados do canal (um tabu antigamente) conduzindo o papo com outros boleiros. Um podcast sem ser podcast, como bem definiu um bom amigo.
Nada, porém, é mais injusto do que o menosprezo que acaba existindo a quem segue no canal. Sou também fã de caras que não estão mais lá; Mauro Cezar, PVC, Everaldo Marques... Eles e muitos outros saíram, mas o time segue pesado e competente.
Esses dias mesmo me surpreendi (por falta de hábito) ao ver o Mauro Naves no Sportscenter. Também estão lá o Abel Neto, o trio formado nas gloriosas canteras da Trivela Bertozzi, Hofman e Ubiratan, o Gian e os eternos Antero e Amigão, só para ficar em alguns nomes.
Tem caras que eu não gosto e me fazem trocar de canal quando estão na tela? Tem, como também tinha nos “anos dourados”.
A fórmula mudou. Antes, era um canal de nicho dentro de um segmento, o que dificilmente é próspero como negócio no longo prazo. Agora tem a musculatura necessária para brigar de igual para igual em um mercado cada vez mais feroz. E isso conta muito mais do que o nome estampado na grade de programação ou na lista de apps dos fãs de esporte. Um fã de esporte que mudou - e seu canal apenas o acompanhou nessa mudança.
Quando eu trabalhei para a ESPN, não na ESPN
A relevância para as ideias expostas acima é nula, mas faz bem em nome de transparência lembrar (ou contar) que trabalhei para a ESPN, embora não exatamente na ESPN. Fui por dois anos editor-chefe da revista ESPN, entre abril de 2010 e abril de 2012.
A revista não era da ESPN Brasil. Era fruto de uma sociedade entre a editora Trivela e a Spring (que edita até hoje a Rolling Stone e pertence aos donos da Caras no Brasil). O Caio Maia (Trivela) e o José Roberto Maluf (Spring) licenciaram a revista ESPN junto à matriz nos EUA, sob supervisão da ESPN Brasil.
Na prática, isso significava que ficávamos em outro endereço, na sede da editora, em Pinheiros, não na TV, no Sumaré, pois não havia subordinação direta. E, mais do que isso, significava constantes arranca-rabos em torno da revista, porque queríamos A e a TV queria B.
Isso, inclusive, levou a períodos de clima péssimo entre os dois lados. Depois, a Spring deixou a sociedade e a Trivela (então F451) assumiu a operação. Foi pouco depois de o Trajano sair e coincidente a um período em que a relação ficou mais tranquila e com forte colaboração, como foi (me disseram) no lançamento (quando cheguei, a revista já tinha 6 meses).
Lembro a primeira vez que fui à ESPN (a TV). Ia entrevistar o Trajano sobre a cobertura da Copa de 2010. Acabou sendo exatamente no dia em que tinha sido comunicado quem ia para a África do Sul, então acabei participando (como espectador) de uma conversa do Trajano com toda a equipe na cafeteria.
Lembro de olhar em volta e identificar as figuras que até outro dia só cabiam dentro da tela da TV. Discretamente, me belisquei. Toda a primeira parte da minha carreira teve como objetivo vir para São Paulo, trabalhar com esportes, em um veículo nacional.
Eu estava ali, no início de dois anos incríveis. Anos de alegrias, tristezas, surpresas boas e ruins, de ótimas histórias, como a vida tem que ser.
A imagem do post
A montagem de hoje tem:
Foto Mickey: Pixabay
Logo ESPN Brasil
Ubiratan Leal, Trajano com Reinaldo e Mauro Naves: reprodução