Leonardo Mendes Júnior torce para qual time?
A volta da Segundona responde a pergunta que ninguém está fazendo. E uma história de Mario Sergio e Juan Figer
Outro texto já estava pronto quando li a coluna do Rodrigo Capelo, em O Globo, contando para qual time torce.
Saber o time do jornalista esportivo é o fetiche de todo torcedor. A resposta é a chave mágica que alimenta o viés de confirmação.
Se ele falou bem do time X é porque torce para este time. Se ele criticou o time Y é porque torce para o rival. Se ele criticou o time que torce é porque está comprado.
Muito antes de ser jornalista, fui torcedor. Falo com o conhecimento de quem já pensou dessa maneira.
Virar torcedor do Coritiba foi algo natural para mim. Tinha 5 para 6 anos, morava a menos de 100 metros do Couto Pereira, o Coritiba foi campeão brasileiro naquele ano. Me marcou demais ver as freiras do Colégio Nossa Senhora Menina no meio da festa da torcida, recebendo os campeões brasileiros.
Eu bem sabia o quanto aquelas freiras eram brabas. Se até elas haviam se rendido a Rafael; André, Heraldo, Gomes e Dida; Almir, Marildo e Tobi; Lela, Índio e Édson é porque havia algo de divino naquele time.
Bem, até poderia haver Naquele. O que não impediu tantos outros Coritibas de me infernizarem nos anos seguintes.
Passei a maior parte da minha vida de torcedor adolescente ouvindo o Coxa pelo rádio, o que foi crucial na minha futura formação como jornalista esportivo. Ainda assim, estive in loco nas duas pontas do calvário dos anos 1990.
Assisti ao Atletiba do Berg, em 90, lá do terceiro anel, pertinho do placar. Assisti ao Paratiba do título de 99, no Pinheirão, abaixo do nível do campo, como era comum no “próprio da Federação Paranaense de Futebol”.
Quando o Paraná fez 2 a 0, quase fomos embora. Eu e um amigo de faculdade, cujo nome deixo na surdina porque ele ainda atua no jornalismo esportivo. Ficamos e (não) vimos o gol do Darci. Vimos o topo da rede sacudir, a torcida na lateral do campo vibrar enlouquecidamente e era o que nos bastava. Seguimos o fluxo. Na comemoração em campo e depois num boteco na frente da PUC, acho que era Usina o nome. Voltei pra casa de madrugueiro, dia amanhecendo. Esse dia foi louco.
Os anos 2000 foram de congelar o torcedor e desenvolver o jornalista. É difícil ter de ser um ponto de razão em algo que é diversão e paixão para 99% do público.
Torna-se possível porque, como bem definiu o Capelo, não tem como conhecer o futebol por dentro e manter a ingenuidade do torcedor. Por outro lado - acréscimo meu - conhecer o futebol por dentro te permite ficar genuinamente feliz com a vitória de pessoas fantásticas.
Minha primeira grande missão como jornalista de esportes foi cobrir o Atlético (atual Athlético) na reta final do Brasileiro de 2001. Fiquei feliz com o trabalho que fiz, com a oportunidade de cobrir uma Libertadores no ano seguinte e pela glória de caras sensacionais. Geninho, Alex Mineiro, Gustavo, Cocito, Riva, Eudes Pedro, Bolinha, dr. Thiele, Karam, Marcus Coelho…
Claro, a relação do jornalista Leonardo com os clubes foi repleta de momentos de tensão.
A torcida do Coritiba fez campanha de cancelamento de assinaturas da Gazeta do Povo e cercou um carro do jornal em Floripa por minha causa. O Atlético me brindou com algumas notas oficiais. Do Paraná, certa vez meu editor Renyere Trovão recebeu uma carta assinada pelo presidente do clube dizendo que eu só podia estar possuído pelo demônio ao escrever uma matéria. Devia ter guardado a carta.
São histórias que hoje eu conto dando risada. Na hora, era sempre um misto de tensão com indignação por ter o trabalho julgado pela premissa (nem sempre verdadeira) de eu torcer por este ou aquele time.
(Me lembro de em 2011, eu morava em São Paulo e fui a Curitiba assistir a um Atletiba com uns amigos. Encontrei nas cadeiras do Couto um antigo crítico do meu trabalho que viraria bom amigo. Ele parecia estar diante de uma assombração, não de alguém que estava ali torcendo como ele)
É libertador quando colunas como essa do Capelo são publicadas, embora a circunstância seja um pouco diferente. O Capelo cobre negócios do futebol, está morando em Barcelona. É diferente de ser setorista ou comentarista, frequentando o estádio, sob o risco de a qualquer momento um idiota querer bancar o “herói” e dar uma “lição naquele jornalista”.
Mesmo com essa ressalva, mostra a quem está do outro lado que o jornalista tem a mesma origem que o torcedor: a arquibancada, o radinho, a zoeira no colégio, fingir ser o ídolo na pelada do recreio.
A diferença é que, em determinado momento, o jornalista seguiu outro caminho: transformou a paixão em profissão. E, digo a vocês, esse caminho de volta não é fácil.
Deixei de trabalhar com futebol em agosto de 2015, quando passei de editor de Esportes a editor-executivo. Levei mais de um ano para voltar a ver um jogo de futebol inteiro. Faltava paciência. Estádio só voltei a frequentar em 2017, quando, aliás, virei sócio do Coxa.
Hoje, o Coritiba virou um ponto adicional de conexão com a minha filha caçula, dona de uma cadeira ao lado da minha no Couto que ela ainda nem estreou por causa da pandemia. Também é garantia de diversão auto-depreciativa com alguns dos meus melhores amigos.
Até porque em campo as coisas andam ruins. Me associei um dia antes da final do Paranaense de 2017. Não fui ao jogo, mas o Coxa foi campeão. Último título do clube. Desde então, foram dois rebaixamentos. Em ambos eu morava em Curitiba. Também foram dois acessos. No primeiro, eu morava em Brasília; no segundo, já estava de volta a São Paulo.
Bom, melhor terminar o texto antes que os coxas resolvam cercar meu carro até eu voltar a trabalhar com futebol. Eles garantem que o time ia melhor naquela época. Eu posso provar que não.
Sabe como é uma parceria com o Juan Figer?
Juan Figer morreu. Dois dias antes, me surpreendi ao saber que Juan Figer ainda estava vivo. Pensei que era erro da Wikipedia, mas o destino tratou de acabar com a minha palhaçadinha.
Sobre o Figer, lembro de uma das muitas resenhas com o Mario Sergio no CT do Caju. O Mario reclamava que o Petraglia não trazia os reforços que ele queria e alguém perguntou se não era o caso de fazer uma parceria com o Juan Figer.
Mario, com a rapidez de raciocínio que lhe era peculiar, olhou para o colega e perguntou:
“Você sabe como é parceria com o Figer?”
“Não.”
“Parceria com o Figer você entra com o cu e ele entra com a pica.”
Essa brincadeira vai durar quantas semanas dessa vez?
Se o Mantega foi ressuscitado pelo Lula e o Bolsonaro meteu atestado após três semanas curtindo a morte adoidado, por que a Segundona não podia voltar neste 3 de janeiro de 2022?
Me assustei quando vi que o último envio fora em 27 de março do ano passado. Mostra como o ano foi intenso e como eu não precisava me impor mais uma obrigação.
Ainda mais uma obrigação que, implicitamente, passava a mensagem arrogante de “nossa, como ele é letrado, acessa um monte de site gringo que só quem paga pode acessar”.
Melhor apenas cagar regra sobre futebol. É mais barato e condizente com quem só quer se divertir com o futebol. Então, que seja eterno enquanto dure.
A foto que ilustra o texto é do Geraldo Bubniak. Coritiba 1, Bragantino 0. O cardíaco jogo que encaminhou o acesso de 2019. Ao meu lado, o bróder João Paulo Zanona. Atrás, o Juliano Kucek, que semanas depois eu encontraria na Comendador Souza para um Coxa x Ceará pela Copinha. Bebemos muito e o Coxa ganhou. Grande dia.